Virgínia tem ímpetos de jogar o frasco de perfume na cabeça da Noca, quando a rapariga lhe vem anunciar com a voz fanhosa:
- O chã tã pronto.
Fica parada ali na porta, a cara idiota, a cabeça minúscula de passarinho no alto do pescoço descarnado e comprido: uma pera na ponta da vara. E aquele esgar canino, aquela máscara de palhaço cretino, aqueles olhinhos espantados... Não: a gente tem vontade de jogar uma coisa na cabeça dela...Virgínia fuzila para a criada um olhar colérico.
Outra vez a voz fanhosa:
- Estã pronto o chã, dona Virgínia.
É demais. Nem uma santa aguenta.
- Já ouvi! - berra. - Já ouvi! Não sou surda.
O sorriso canino persiste, deixando visíveis os dentes amarelados, pontiagudos e minúsculos. E é bem um olhar de cão surrado - um olhar de simpatia e fidelidade medrosa que a rapariga lança para a patroa quando esta passa por ela.
A patroa surra na gente, mas a patroa é boa, dá dinheiro, dá vestido bonito. Dona Virgínia grita com a gente - mas depois dá risada pra gente.
E o olhar amoroso segue o vulto quente e perfumado da mulher de roupão azul que desce a escada porque "o chã tã pronto".
CAMINHOS CRUZADOS
ERICO VERISSIMO
Nenhum comentário:
Postar um comentário