5 de outubro de 2013

11


Virgínia tem ímpetos  de jogar o frasco de perfume na cabeça da Noca, quando a rapariga lhe vem anunciar com a voz  fanhosa:
- O chã tã pronto.
Fica parada ali na porta, a cara idiota, a cabeça minúscula de passarinho no alto do pescoço descarnado e comprido: uma pera na ponta da vara. E aquele esgar canino, aquela máscara de palhaço cretino, aqueles olhinhos espantados... Não: a gente tem vontade de jogar uma coisa na cabeça dela...Virgínia fuzila para a criada um olhar colérico.
Outra vez a voz fanhosa:
- Estã pronto  o chã, dona Virgínia.
É demais. Nem uma santa aguenta.
- Já ouvi! - berra. - Já ouvi! Não sou surda.
O sorriso canino persiste, deixando visíveis os dentes amarelados, pontiagudos e minúsculos. E é bem um olhar de cão surrado - um olhar de simpatia e fidelidade medrosa que a rapariga lança para a patroa quando esta passa por ela.
A patroa surra na gente, mas a patroa é boa, dá dinheiro, dá vestido bonito. Dona Virgínia  grita com a gente - mas depois dá risada pra gente.
E o olhar amoroso segue o vulto quente e perfumado da mulher de roupão azul que desce a escada porque "o chã tã pronto". 
 CAMINHOS CRUZADOS
ERICO VERISSIMO 


Nenhum comentário:

Postar um comentário