21 de fevereiro de 2012

Alegoria da caverna

Trata-se de um trecho do Livro VII de A República: no diálogo, as falas são de Sócrates e Glauco, irmão de Platão.

“    Sócrates -  Agora leva em conta nossa natureza, segundo tenha ou não recebido educação e compara-a com o seguinte quadro: imagina uma caverna subterrânea, com uma entrada ampla, aberta a  luz em toda a sua extensão. Lá dentro, alguns homens se encontram, desde a infância, amarrados pelas pernas e pelo pescoço de tal modo que permanecem imóveis e podem olhar tão somente para a frente, pois as amarras não lhes permitem voltar a cabeça. Num plano superior, atas deles, arde um foto a uma certa distância. E entre o fofo e os prisioneiros eleva-se um caminho ao longo do qual imagina que tenha sido construído um pequeno muro semelhando aos tabiques  que os titeriteiros interpõem entre si e o publico a fim, de, por cima deles, fazer movimentar as marionetes.
       Glauco – Posso imaginar a cena.
    Sócrates – Imagina também homens que passam a o longo desse pequeno muro carregando uma enorme variedade de objetos cuja altura ultrapassa a do muro: estátuas e figuras de animais feitas de pedra, madeira e outros materiais diversos. Entre esses carregadores há, naturalmente, os que conversam entre si e os que caminham silenciosamente.
    Glauco – Trata-se de um quadro estranhos e estranhos prisioneiros.
    Sócrates – Eles são como nós. Acreditais que tais homens tenham visto de si mesmos e de seus companheiros outras coisas que não as sombras projetadas pelo fogo sobre a parede da caverna que se encontra diante deles?
    Glauco – Ora, como isso seria possível se foram obrigados a manter imóvel a cabeça durante toda a vida?
Sócrates – E quanto aos objetos transportador ao longo do muro, não veriam apenas suas sombras?
    Glauco – Certamente.
   Sócrates – Mas, nessas condições, se pudessem conversar uns com os outros, não supões que julgariam estar se referindo a objetos reais ao mencionar o que vêem diante de si?
    Glauco –  Necessariamente.
    [...]
    Sócrates – Imagina agora o que sentiriam se fossem liberador de seus grilhões e curados de sua ignorância, na hipótese de lhes acontecesse, muito naturalmente, o seguinte: se um deles fosse libertado e subitamente forçado a se levantar, virar o pescoço, caminhar e enxergar a luz sentiria dores intensas ao fazer todos os movimentos, e com a vista ofuscada, seria incapaz de enxergar os objetos cujas sombras ele via antes. Que responderia ele, na tua opinião, se lhe fosse dito que o que via até então eram apenas sombras inanes e que, agora, achando-se mais próximo da realidade, com os olhos voltados para objetos mais reais, possuía visão mais acurada? Quando, enfim, ao ser-lhe mostrado cada um dos objetos que passavam, fosse ele obrigado, diante de tantas perguntas, a definir o que eram não supões que ele ficaria embaraçado e consideraria que o que contemplava antes era mais verdadeiro do que os objetos que lhe eram mostrados agora?
    Glauco – Muito mais verdadeiro.
    Sócrates – E se ele fosse obrigado a fitar a própria luz, não acreditas que lhe doeriam os olhos e que ele procuraria desviar o olhar, voltando-se para objetos que podia observar, considerando-os, então, realmente mais distintos do que aqueles que lhe são mostrados?
    Glauco – Sim.
    Sócrates – Mas, se o afastassem dali à força, obrigando-o a galgar a subida áspera e abrupta e não deixassem antes que tivesse sido arrastado à presença do próprio Sol, não crês que ele sofreria e se indagaria de ter sido arrastado desse modo? Não crês que, uma vez diante da luz do dia, seus olhos ficariam ofuscados por ela, de modo a não poder discernir nenhum dos seres considerados agora verdadeiros?
    Glauco – Não poderia discerni-los, pelo menos no primeiro momento.
   Sócrates – Penso que ele precisaria habituar-se, a fim de estar em condições de ver as coisas do alto de onde se encontrava. O que veria mais facilmente seriam, em primeiro lugar, as sombras; em seguida, as imagens dos homens e de outros seres refletidos na água e, finalmente, os próprios seres. Após, ele contemplaria, mais facilmente, durante a noite, os objetos celestes e o próprio céu, ao elevar os olhos em direção à luz das estrelas e da lua – vendo-o mais claramente do que o Sol ou à sua luz durante o dia.
    Glauco – Sem dúvida.
    Sócrates – Por fim, acredito, poderia enxergar o próprio Sol – não apenas sua imagem refletida na água ou em outro lugar -, em seu lugar, podendo vê-lo e contemplá-lo tal como é.
    Glauco – Necessariamente.
    Sócrates – Após, passaria a tirar conclusões sobre o Sol, compreendendo que ele produz as estações e os anos; que governa o mundo das coisas visíveis e se constitui, de certo modo, na causa de tudo o que ele e seus companheiros viam dentro da caverna.
    Glauco – É evidente que chegaria  a estas conclusões.
    [...]
  Sócrates – Reflete sobre o seguinte: se esse homem retornasse à caverna e fosse colocado no mesmo lugar de onde saíra, não crês que seus olhos ficariam obscurecidos pelas trevas como os de quem foge bruscamente da luz do Sol?
    Glauco – Sim, completamente.
    Sócrates – E se lhe fosse necessário reformular seu juízo sobre as sombras e competir com aqueles que lá permaneceram prisioneiros, no momento em que sua visão está obliterada pelas trevas e antes que seus olhos a elas se adaptem – e esta adaptação demandaria um certo tempo -, não acreditas que esse homem se prestaria à jocosidade? Não lhe diriam que, tendo saído da caverna, a ela retornou cego e que não valeria a pena fazer semelhante experiência? E não matariam, se pudessem, a quem tentasse libertá-los  e conduzi-los para a luz?
    Glauco – Certamente.
    Sócrates – É preciso aplicar inteiramente esse quadro ao que foi dito anteriormente, isto é, assimilando-se o mundo visível a caverna e a luz do foto aos raios solares. E se interpretares que a subida para o mundo que está acima da caverna e a contemplação das coisas existentes lá fora representam a ascensão da alma em direção ao mundo inteligível terás compreendido bem meus pensamentos, os quais desejas conhecer mas que só Deus sabe se são ou não verdadeiros. As coisas se me  afiguram  do seguinte modo:  na extremidade do mundo inteligível encontra-se a idéia do Bem, que apenas pode ser contemplado, mas que não se pode ver sem concluir que constitui a causa de tudo quanto há de reto e de belo no mundo: no mundo visível, esta idéia gera a luz e sua fonte soberana e, no mundo inteligível, ela, soberana dispensa a inteligência e a verdade. É ela que se deve ter em mente para agir com sabedoria na vida privada e pública.
    Glauco – Concordo contigo, na medida em que consigo compreender-te. ”

Titeriteiro. Ou titereiro, aquele que maneja títeres: no contexto, marionetes.
Inanes. Desprovido de conteúdo,
Obliterada. Apagado; no contexto, vista perturbada pela escuridão.
Jocosidade. Comicidade, gracejo, o que provoca riso.


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