Enquanto assistia a uma palestra de Valter Hugo Mãe, ocorreu-me a importância de se escrever sobre o cotidiano. O escritor lusitano discorreu, dentre outros assuntos, sobre um dos seus maiores erros: o de não querer ser pai quando poderia ter feito a escolha para sê-lo. A falar sobre isso, ele chamou a atenção do quanto é uma aventura a criação de filhos e um dos presentes mais valiosos que poderia se dar a eles seria uma coletânea de crônicas escritas durante esse processo. Para Mãe, escrever é algo como compreender melhor o outro para, assim, compreender a si mesmo. Confesso ter me deparado com palavras, pensamentos adiante dos meus ao assistir essa palestra, sentia a sensação de que o entendimento estava em forma de brumas ao meu redor.
Contudo, o que gostaria de guardar aqui é essa verdade: deve-se escrever para lembrar.
Dias atrás, indaguei-me sobre qual teria sido o prato que ao comer fez-me sentir prazer, gratidão, fascínio. O que comi que fez-me sentir bem? Bom, após pensar alguns minutos, cheguei a conclusão de que não havia experimentado a sensação em questão. Uma das coisas aprendidas sobre mim mesma durante esses 20 anos foi a de que não sou boa para respostas rápidas. Poucas vezes consigo juntar todo o arsenal de memórias em favor de um determinado assunto para que se possa fazer uma escolha. Eu não calo porque consinto, eu me calo para ouvir meus pensamentos, organizá-los, selecioná-los, questioná-los até chegar a uma resposta plausível. Esse procedimento é lento, é ativo. Ontem senti-me feliz por estar viva ao comer uma torrada. A epifania adentrou meu corpo todo, cada mordida naquela torrada feita de pão amanhecido regado a azeite e coberta de manjericão foi um pedaço do divino, do profano. Também é preciso lembrar do shitake, seu sabor incomparável, singular. Shoyu é um dos temperos mais completos, pra mim, o coloco em tudo e o melhor: sempre fica bom. Ímpar.
Esse ano aprendi a respeitar os alimentos, assim respeitar a mim mesma, uma vez que a escolha de um ingrediente ou outro influencia diretamente na nossa concepção de vida. Meus pilares para a adoção do vegetarianismo continuam sendo ambiental, político, estético e espiritual. Não sou capaz de descrever o quanto esse estilo de vida me permitiu viver melhor, porém ouso escrever que ele foi um dos responsáveis por me fortalecer em momentos complicados que passei esse ano. Foram dias e noites muito terríveis. Incrível como sobrevivi a eles e hoje tenho a oportunidade de relatá-los. What does not kill you, make you stronger.
26 de dezembro de 2016
11 de dezembro de 2016
Libert
" A liberdade é um mito. Vivemos clamando por ela, mas raramente estamos dispostos a exercê-la. Estamos sempre dispostos a tolher nossa liberdade e criar dependência, seja em nome de ideologia, religião ou amor.”
Kieslowski sobre A Liberdade é Azul
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