Daniel Munduruku · Lorena, SP
19/04/2010
Educar
é dar sentido. É dar sentido ao nosso estar no mundo. Nossos corpos precisam
desse sentido para se realizar plenamente. Mas também nossos corpos são vazios
de imagens e elas precisam fazer parte da nossa mente para possamos dar
respostas ao que se nos apresenta diuturnamente como desafios da existência. É
por isso que não basta dar alimento apenas ao corpo, é preciso também alimentar
a alma, o espírito. Sem comida o corpo enfraquece e sem sentido é a alma que se
entrega ao vazio da existência.
A educação tradicional entre os povos indígenas se preocupa
com esta tríplice necessidade: do corpo, da mente e do espírito. É uma
preocupação que entende o corpo como algo prenhe de necessidades para poder se
manter vivo.
Esta visão de educação é sustentada pela idéia de que cada
ser humano precisa viver intensamente seu momento. A criança indígena é, então,
provocada para ser radicalmente criança. Não se pergunta nunca a ela o que
pretende ser quando crescer. Ela sabe que nada será se não viver plenamente seu
ser infantil. Nada será por que já é. Não precisará esperar crescer para ser
alguém. Para ela é apresentado o desafio de viver plenamente seu ser infantil
para que depois, quando estiver vivendo outra fase da vida, não se sinta vazia
de infância. A ela são oferecidas atividades educativas para que aprenda
enquanto brinca e brinque enquanto aprende num processo contínuo que irá
fazê-la perceber que tudo faz parte de uma grande teia que se une ao infinito.
Num mesmo movimento ela vai sendo introduzida no universo
espiritual. Embalada pelas histórias contadas pelos velhos da aldeia, a criança
e o jovem passam a perceber que em seu corpo moram os sentidos da existência.
Este sentido é oferecido pela memória ancestral concentrada nos velhos
contadores de histórias. São eles que atualizam o passado e o fazem se
encontrar com o presente mostrando à comunidade a presença do saber imemorial
capaz de dar sentido ao estar no mundo.
Este processo todo é alimentado por rituais que lembram o
passado para significar o presente. São movimentos corpóreos embalados por
cantos e danças repetidos muitas vezes com o objetivo de “manter o céu
suspenso”. A dança lembra a necessidade de sermos gratos aos espíritos
criadores; contam que precisamos de sentidos para viver dignamente; ordena a
existência. Cada grupo de idade ritualiza a seu modo. Cada um se sente
responsável pelo todo, pela unidade, pela continuidade social.
Educar é, portanto, envolver. É revelar. É significar. É
mostrar os sentidos da existência. É dar presente. E não acaba quando a pessoa
se “forma”. Não existe formatura. Quem vive o presente está sempre em processo.
É por isso que a criança será sempre criança. Plenamente
criança. Essa é a garantia de que o jovem será jovem no seu momento. O homem
adulto viverá sua fase de vida sem saudades da infância, pois ele a viveu
plenamente. O mesmo diga-se dos velhos. O que cada um traz dentro de si é a
alegria e as dores que viveram em cada momento. Isso não se apaga de dentro
deles, mas é o que os mantém ligados ao agora.
Resumo da ópera: A educação tradicional indígena tem dado
certo. As pessoas se sentem completas quando percebem que a completude só é
possível num contexto social, coletivo. Cada fase porque passa um indígena –
desde a mais tenra idade – alimenta um olhar para o todo, pois o conhecimento
que aprendem e vivem é um saber holístico que não se desdobra em mil
especialidades, mas compreende o humano como uma unidade integrada a um Todo
maior e Único.
Olhar os povos indígenas brasileiros a partir de uma visão rasa
de produção, de consumo, de riqueza e pobreza é, no mínimo, esvaziar os
sentidos que buscam para si.
Pense nisso.
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Xipat Oboré (Tudo de Bom!)